Flores de Manacá em Preto e Branco - Foto: @caleidoscopic4 |
Mal sabiam que ao inventar o transporte público, inventariam também os filósofos de busão, e confesso que sou um deles.
Normalmente escolho uma janela, de preferência do "lado da sombra", coloco um bom emo-indie e fico pensando na vida. Hoje foi um desses dias.
Para quem não sabe, sigo a doutrina Católica, e tento saber o máximo possível sobre a minha religião, e sobre o porquê disso, o porquê daquilo. Bem, mas isso nem é tão importante no que vou escrever aqui, porém parte integrante do texto. Existe uma oração chamada Salve Rainha (se não conhece dá um Google), amo essa oração porque ela diz a verdade descaradamente, porém trás a esperança no final rs. Em uma de suas frases o autor coloca a seguinte preocupação: "A vós suspiramos, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas".
Profundo.
Nem Lana Del Rey soube expressar melhor como é nosso mundo, um verdadeiro mar de lágrimas onde a felicidade nunca é contínua.
Aí vem algo a se dizer: Por que haveríamos de sofrer? Por que vivemos aqui?
Sempre tive em meu coração, no mais profundo dele, que o fato de eu ter nascido exatamente como e onde nasci, um dia terá uma explicação plausível.
Sou só eu ou todos pensam isso?
Hoje decidi não correr, fui com calma até a rodoviária da cidade onde estudo, esperar o ônibus por uma hora. Ao entrar no busão pensei em sentar bem no fundo para ninguém sentar perto de mim, pois eis que três adolescentes sentaram bem do meu lado. Ok seguirei por aqui pensei eu. Olho na janela e vejo uma borboleta com asas transparentes batendo suas asas como pedindo liberdade, a fotografei, e num piscar de olhos ela sumiu (julgo que tenha saído). Tenho algo de especial com borboletas, elas sempre cruzam meu caminho das mais diversas formas.
Bem continuando, na primeira parada depois da rodoviária sempre entram algumas ciganas, e eu sempre observo elas (por curiosidade do modo de vida), uma delas com um bebê no colo passa na catraca do ônibus e logo me lembro que ela me pediu esmola perto de uma loja no centro da cidade, entram duas senhoras idosas com tatuagens nos braços, em uma delas observo algumas tatuagens como "pontos escurecidos" nas mãos, penso se teria algo a ver com a hierarquia cigana (sim, eu viajo geral), uma moça (que eu julgo bem bonita) está com um bebê e com uma grande sacola de compras, ela pede ao motorista para abrir a porta nos fundos do ônibus para colocar a sacola, e a cigana então pede ao moço do meu lado para colocar a sacola no canto do ônibus, ele coloca.
Quando novamente o ônibus segue sua rota, eu ouço um barulho e a sacola de compras havia virado e com ela refrigerantes e alguns outros produtos, os meninos ao meu lado começam a chutar a garrafa quando esta vem ao nosso encontro. A cigana mais velha vê o que acontece e avisa a mais jovem.
Ela vem, pega sua sacola e se senta em outro banco com seu bebê.
Observo uma menina que deve ter seus 8 anos com um piercing no nariz, me lembro da Esmeralda de O Corcunda de Notre-Dame.
Depois de observar tudo isso comecei a me perguntar, primeiramente, por qual razão os meninos tão cruelmente se divertiam chutando a garrafa ao invés de simplesmente se levantar e avisar a moça.
Segundo comecei a filosofar sobre as pessoas.
Eu poderia ter nascido cigana, nascido Kardashian, nascido e viver abaixo da linha da pobreza.
Poderia ter nascido no Japão, Reino Unido, ou Rússia...
Milhões de possibilidades para ser, mas fui ser quem sou.
Brasileira, negra, pobre que mora no interior do interior do país.
Aí vem a filosofia de busão: Por que?
Por que estou aqui e não lá?
Comecei a pensar que estou aqui porque é aqui que devo estar, é esse alguém que devo ser... E as coisas que passam são para me fortalecer, como diz em um livro com base teológica que estava lendo... "Por que na hora da nossa passagem de nada valerá as festas que fomos ou o quanto nos divertimos. Valerão os sacrifícios, as tribulações, e as boas obras".
Não creio que eu ache tão rapidamente a resposta do porque eu nasci eu, ou porque eu nasci no Brasil e conheci as pessoas que conheço, mas quando me imagino em outra vida diferente da minha, vejo que Deus escolheu certo, é aqui que devo estar, exatamente aqui.
-Daiane C Silveira